No documentário “Paris is Burning”, Willi Ninja chega a melhor definição de que se tem conhecimento sobre o que é voguing: “é uma forma segura de jogar shades”, diz ele. E o que seria jogar shades (sombras) senão aguçar a potência de afecção de corpos empoderados?
Podemos interpretar as shades de duas formas: primeiro, tratamos como adereço de maquiagem, que representa este desejo humano de compartilhar fantasias e usar o corpo como textualidade para comunicar subjetividades. Estas sombras podem ser tratadas como o elemento estético que integra as sociabilidades pós-modernas e apazigua a vontade de autocomposição neste jogo ambíguo de imitação/alteridade.
Segundo o cruzamento dos termos shade e shadow nos serve de analogia para entender o voguing como sombra de corpos precários que ironizam os padrões estéticos hegemônicos. Nesta sociedade pós-moderna, cuja espetacularização de corpos-objeto reforça ideais de normalidade, voguers dispõem poses de corpos desviantes sob os holofotes e, assim, notabilizam a gestualidade como sombra de subjetividades represadas.
Por fim, chama-nos atenção o fato de que, ao performar às sombras de referenciais performativos preexistentes, voguers desestabilizam as categorizações binárias de gênero arrastadas pelo racionalismo excludente. De fato, os voguers até revisitam as sombras normativas, mas as rasuram com gradações de sombreamento, como um chiste perspicaz, uma fagulha que empodera corpos dançantes.
Roney Gusmão é Professor adjunto do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas - CECULT da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, doutor em "Memória: Linguagem e Sociedade". Membro dos Grupos de Pesquisas "Memória, Espaço e Culturas - MESCLAS", "Culturas, Estéticas e Linguagens - CEL" e "Núcleo de Culturas, Gêneros e Sexualidades - NuCuS" - linha "Corpos, Cidades e Territorialidades Dissidentes". Também desenvolve atividades de pesquisa e extensão articuladas aos referidos grupos, atuando principalmente na intersecção dos seguintes temas: memória, cultura, educação, pós-modernidade, gênero, espaço urbano.