A EJA (educação para jovens e adultos) é um formato de ensino criado pelo Governo Federal que proporciona a reinserção de jovens e adultos no âmbito escolar, mesmo dos que não completaram o ensino fundamental. É notório que a evasão escolar envolve questões socioeconômicas, e as iniciativas que acolhem essa população, como o EJA, sofrem comumente com carência de recursos e raramente são objeto de pesquisas científicas.
Levando em consideração esse cenário e o advento da pandemia da covid-19, Maria Cecília da Silva Camargo, Maria da Conceição dos Santos Costa e Rosa Malena de Araújo Carvalho organizaram o livro “A Educação Física na educação de jovens e adultos: experiências da realidade brasileira”, publicado pela Editora UFSM em 2022. A obra explora o lugar marginalizado em que os estudantes da EJA são colocados pela sociedade e pelo governo brasileiro e aborda o papel da Educação Física na formação dos estudantes, uma vez que essa disciplina também ocupa uma posição marginalizada nos currículos escolares.
Entendendo a importância do tema, convidamos a organizadora Maria Cecília da Silva Camargo para conversar com a gente sobre a obra e seus outros trabalhos. Maria Cecília é docente na UFSM e possui especialização em Ciências do Movimento e reabilitação. Acompanhe a seguir a entrevista concedida pela organizadora à Editora UFSM.
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Conte um pouco sobre sua trajetória, produções e linha de pesquisa atual.
Fui professora de escola municipal em Florianópolis e Porto Alegre antes de atuar na universidade, e a minha experiência com a EJA começou em Porto Alegre, em uma escola onde pude conhecer e me encantar com essa modalidade de educação. Foi uma bela experiência e, desde então, sempre mantenho atividades com a EJA, por meio de uma disciplina regular no curso de Licenciatura e projetos de extensão e pesquisa, com menor regularidade. Minhas produções têm oscilado entre a EJA e a Educação Infantil, que são os temas com que mais atuo. Nos últimos anos, o trabalho com a Educação Infantil tem sido mais intenso. Em razão de manter uma disciplina na Licenciatura, na qual as turmas realizam uma prática docente com a EJA, eu sempre estou próxima da escola e das discussões que envolvem a educação de jovens e adultos. Sempre me mantenho em uma linha de pesquisa voltada à formação de professores(as) e às práticas pedagógicas da Educação Física escolar.
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Como a pandemia da covid - 19 impactou a produção dessa obra?
O livro vinha sendo gestado desde 2015, em parceria com as professoras Rosa Malena de Araújo Carvalho, da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e Maria da Conceição dos Santos Costa, da Universidade Federal do Pará. Nos conhecemos em 2013, no Congresso Brasileiro e Internacional de Ciências do Esporte e, desde então, temos realizado parcerias que abordam a relação entre a Educação Física e a EJA. A ideia de escrever um livro, reunindo estudos de diferentes regiões do Brasil, sempre foi um desafio porque ainda não há muitas pesquisas sobre EJA no campo acadêmico da EF, e são poucos(as) os(as) pesquisadores(as) que se dedicam ao tema com regularidade. O caos que se instalou com a pandemia da covid-19 e, principalmente, o momento político tão difícil que vivemos nos últimos quatro anos dificultaram o andamento do projeto, mas o desejo de vê-lo finalizado foi maior. Nesses momentos, estar em um projeto com pessoas comprometidas, como a Rosa e a Conceição, fez toda a diferença para não desistirmos.
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Como foi a experiência de reunir em um livro perspectivas advindas de diversas regiões do Brasil?
Foi uma experiência muito bonita, pois nos colocou em contato com pesquisadores(as) de diferentes regiões, que apresentaram diferentes contribuições sobre o tema da Educação Física na EJA, considerando especificidades locais que muitas vezes desconhecemos. Conseguimos reunir textos que tratam desde situações das capitais até das áreas afetadas pela reforma agrária, da Amazônia paraense, enfim, áreas que abarcam condições muito distintas da nossa realidade, e analisamos como a docência com a EJA se materializa nesses contextos tão distintos.
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Quais as maiores dificuldades que observou como defensora da educação para jovens e adultos, considerando que ela é constantemente marginalizada pelo Estado e pela sociedade?
A existência da EJA – falo por mim – tem algo de paradoxal. Ela é muito importante para assegurar que o direito constitucional de acesso à educação em qualquer etapa da vida se materialize para as pessoas que tiveram que interromper sua escolarização. São pessoas que foram excluídas do sistema escolar, geralmente pela necessidade de prover sua própria existência ou contribuir com a família. Muitas vezes, isso ocorre ainda na infância. Por outro lado, cada vez mais nos deparamos com turmas em que a presença de adolescentes é muito grande, e a chegada desses adolescentes na EJA se deu em razão de um processo de escolarização truncado, marcado por repetências, até que a própria escola sugere o encaminhamento para essa modalidade. Em todas as situações, o que chama a atenção é a dificuldade em manter as crianças e adolescentes na escola e de modo a realizarem uma escolarização com fluência até o final do Ensino Médio. Historicamente, a EJA nunca foi prioridade. Com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade em 2004, a EJA ganhou alguma atenção, sendo alvo de vários programas específicos. Em 2019, a Secretaria foi extinta e, de modo geral, o Ministério da Educação mergulhou em um de seus períodos mais perversos em relação à Educação, aos direitos humanos e à diversidade. Agora, com o retorno de um cenário democrático, a secretaria foi recriada. A EJA é a modalidade de educação que recebe as pessoas que já foram excluídas do sistema educacional ou que estão prestes a serem. Ainda assim, temos índices de jovens adultos sem a escolarização completa muito altos. Seria ótimo que a EJA não fosse necessária, que todos(as) finalizassem a escolarização básica sem interrupções, mas isso ainda parece estar um pouco distante.
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Existem projetos futuros em andamento? Se sim, o que os leitores podem esperar deles?
Os últimos quatro anos foram difíceis, pesados. Após um longo período de trabalho remoto e de ataques à Educação e ao serviço público, estamos todos(as) nos recuperando. Sim, há o desejo e a necessidade de retomarmos algum projeto com a EJA. Não sei se será possível elaborar um outro livro inteiro, como esse que conseguimos compor, o mais provável será a produção de artigos ou capítulos. A obra ficou muito bonita, recebeu um acabamento e projeto gráfico muito cuidadoso, deixou um gostinho de “quero mais”... Assim que tivermos alguma novidade, vocês irão saber. Agradeço o convite e todo o apoio que a Editora UFSM tem dado ao lançamento e à divulgação da obra.