O livro "Palhaças na Universidade” é uma obra organizada por mulheres atuantes da arte da palhaçaria, que foi lançada no ano de 2022 pela Editora UFSM. Por meio de abordagens e questionamentos da sociedade contemporânea, a coletânea aborda o tema da mulher palhaça, revelando um movimento de gênero e suas conquistas expandidas dentro e fora das artes cênicas.
Unindo o âmbito acadêmico, artístico e social, as organizadoras reuniram uma seleção de textos de autoras feministas, atuantes e/ou pesquisadoras dessa arte em um único livro. Ao longo da obra, são expostas algumas das problemáticas inerentes à sociedade contemporânea, bem como oferecidas reflexões acerca do tema da palhaçaria.
Feita essa breve introdução, destacamos que não há pessoa melhor para descrever a obra do que sua própria autora. Para tal, realizamos uma entrevista exclusiva com Daiani Brum, que juntamente com a Profa. Dra. Ana Wuo, organizou o livro. Segue abaixo a entrevista, na íntegra.
Conte um pouco sobre sua trajetória, produções e linha de pesquisa atual.
Chamo-me Daiani Cezimbra Severo Rossini Brum, sou trabalhadora da cultura, palhaça e pesquisadora. Atualmente sou pós-doutoranda em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU, 2023), sob supervisão da Profa. Dra. Ana Wuo; doutora em Teatro (UDESC, 2021), sob orientação da Profa. Dra. Maria Brígida de Miranda; mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN, 2017), sob orientação da Profa. Dra. Karenine Porpino; e bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, 2012). Sou formada em palhaçaria na Escola de Palhaços dos Doutores da Alegria (2014). Dedico-me à atuação palhacesca hospitalar, às ações artísticas, teóricas, formativas e de pesquisa na área de Artes Cênicas. Possuo experiência com interpretação teatral, máscaras, iluminação cênica, pesquisa e palhaçaria com ênfase na atuação de mulheres e nas poéticas dos contextos hospitalares. Sou organizadora do livro “Palhaças na Universidade”, juntamente com a Profa. Dra. Ana Wuo.
Como foi para você produzir um livro pautado em estudos de gênero?
Foi uma experiência muito rica e transformadora. Ao idealizar o livro “Palhaças na Universidade”, Ana Wuo e eu pensamos em suprir uma demanda emergente na área das Artes Cênicas e da palhaçaria, na qual, até então, inexistiam materiais bibliográficos que mesclassem estudos de gênero e dos feminismos à comicidade das mulheres.
Como foi a experiência de reunir em uma única obra diversas artistas e pesquisadoras mulheres e qual a importância desse construto na sua opinião?
Ao organizar o livro, trabalhamos no sentido de viabilizar a reunião de autoras de todas as regiões do Brasil, registrando a diversidade de métodos artísticos, formativos e de pesquisa na atuação de mulheres como palhaças, o que potencializa o desenvolvimento e manutenção das redes de mulheres palhaças do Brasil. A importância desse trabalho reside no registro e na difusão de uma crescente área de atuação, bem como na criação de materiais bibliográficos e de referência para a palhaçaria contemporânea, que passa a ser complexificada pelas discussões de gênero e pelo estudo do riso e do risível em contato com os marcadores de gênero, raça, classe, entre outros.
Conte um pouco sobre as dificuldades que percebe na sua atuação como artista no Brasil contemporâneo.
Entre os anos de 2015 e 2022, observamos a difusão expressiva de discursos e ações de extrema-direita no Brasil. Como historicamente ocorre com a ascensão de tais práticas, houve, no Brasil, um enfraquecimento cultural e educacional, áreas essas que passaram por uma série de desmontes e retrocessos. Como artista, palhaça, pesquisadora, trabalhadora da cultura, mulher, lésbica e periférica, percebo inúmeras dificuldades para me manter ativa no cenário cultural, seja pela diminuição drástica na quantidade de trabalhos e de editais culturais, seja pela sobrecarga gerada pela desvalorização da pesquisa acadêmica como trabalho, seja, ainda, pelo medo que sinto, ao sair pelas ruas, de me deparar com discursos homofóbicos e de ódio, com a população facilitadamente armada. Apesar dessas dificuldades, percebo que esse período também gerou uma força coletiva de resistência e de sobrevivência, de união da classe artística e de pesquisa, da criação e da manutenção das redes. Trabalhamos e acreditamos na reconstrução da cultura e da educação no país por meio de uma diligente pesquisa e atuação na área.
Existem projetos futuros em andamento? Se sim, o que as leitoras e os leitores podem esperar deles?
Sim! Atualmente o volume II da obra “Palhaças na Universidade” encontra-se em avaliação pelo conselho editorial da editora UFSM, e até o final de maio receberemos dois pareceres avaliando a obra e aconselhando ou não a sua publicação. As leitoras e os leitores podem esperar uma obra provocativa, consistente e elucidativa sobre a diversidade da atuação de mulheres como palhaças no Brasil. O livro contém, ainda, um relato de experiência da palhaça social mexicana Darina Robles, além de reunir duas entrevistas com profissionais importantes na palhaçaria de mulheres e contar com 13 artigos de mulheres de todas as regiões do Brasil. As autoras são, em sua maioria, doutoras, também havendo doutorandas e mestras.